É preciso melhorar os rótulos dos alimentos que "se vendem" como integrais, repletos de cereais e/ou como fonte de fibras, embarcando na busca do consumidor por uma alimentação mais saudável.
Embora não seja uma recomendação universal, uma alimentação rica em fibras costuma ser a recomendação que muitos profissionais de saúde prescrevem aos seus pacientes e que são também objeto de matérias relacionadas à editoria de saúde. As fibras estão sobretudo nos alimentos in natura, como frutas, legumes e verduras, e, no caso dos alimentos industrializados, o chamariz é a presença de grãos integrais.
Na teoria, parece fácil, mas não tem sido simples identificar, de fato, quais os produtos disponíveis no mercado que, independentemente da denominação de venda, das alegações (publicidade, muitas vezes) e das imagens de cereais, de fato, podem ser considerados como fonte de cerais integrais para fins de uma escolha consciente e informada.
De acordo com o Relatório de Mapeamento de Impactos – REMAI publicado pela Gerência-Geral de Alimentos - GGALI em 11 de março de 2020, “ a ausência de critérios de composição e rotulagem em produtos à base de cereais integrais têm caracterizado uma falha de mercado, onde a assimetria de informações entre fabricantes e consumidores pode induzir ao engano quanto às verdadeiras características de composição dos produtos e influenciar escolhas alimentares de forma equivocada”.
Este mesmo documento faz referência a estudos conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PROTESTE) que apontam justamente para esse desequilíbrio entre as informações destacadas na embalagem e a real composição do produto – o destaque conferido às estratégias de marketing é muito maior do que o que se dá às informações obrigatórias, como lista de ingredientes e informações nutricionais.
Diante do problema regulatório identificado – “assimetria de informações existente no mercado” – os consumidores são levados a escolhas equivocadas, seja por incompreensão, seja por ser levado a engano por conta da publicidade. Este cenário, de acordo com o mapeamento realizado pela GGALI, resulta em concorrência desleal entre produtos que, de fato, contém mais cereais integrais com os que trazem comunicação mercadológica que são enganosas, além de desestimular a reformulação positiva de produtos à base de cereais, o que aumentaria a oferta.
Identificou-se, portanto, que era preciso maior segurança jurídica e, para tanto, um marco regulatório que delimitasse melhor o tema dos produtos “integrais”, trazendo requisitos de composição dos produtos à base de cereais integrais e de transmissão de informações entre os entes da cadeia de alimentos, inclusive com a determinação para que passasse a ser obrigatória a quantificação do teor de cada qual dos cereais integrais indicados no produto.
Mais uma vez, a Anvisa buscou referenciais normativos de outros países, a fim de construir uma proposta que adotasse as melhores práticas acerca do tema, com foco na garantia de maior equilíbrio informacional entre fornecedor e consumidor – tendo constatado que, embora houvesse algumas referências que poderiam inspirar, o tema está em construção e falta harmonia internacional para muitos dos tópicos que a Agência gostaria de endereçar, quais sejam: definir critérios de composição e rotulagem para produtos à base de cereais integrais.
Foi neste contexto que a Anvisa abriu consulta pública para que interessados pudessem opinar, pelo prazo de 60 dias, sobre a proposta de norma sobre os requisitos para a identificação de alimentos como integrais, rotulagem de alimentos que contenham cereais integrais entre seus ingredientes. que trata da proposta de norma sobre os requisitos para a identificação de alimentos como integrais e rotulagem de alimentos que contenham cereais integrais entre seus ingredientes (Consulta Pública nº 811/2020).
Pela proposta, os alimentos contendo cereais somente poderão ser considerados integrais quando o produto contiver, no mínimo, 30% de ingredientes integrais e a quantidade dos ingredientes integrais for superior a quantidade dos ingredientes refinados. Ainda de acordo com a proposta, os alimentos contendo cereais que não atendam a esses requisitos de composição não podem usar a expressão “integral” na sua designação ou veicular alegações que indiquem que o produto é integral, o que tende a reduzir bastante a publicidade que leva o consumidor a engano em relação a esse aspecto.
Um aspecto da proposta que merece aprimoramento é em relação ao uso de outras estratégias para a promoção de produtos que contêm cereais integrais, mas em quantidade inferior ao que a proposta apresentou como referência, tais como o destaque da presença de um dado número de cereais, imagem de grãos, denominação de venda ou alegações que induzam o consumidor a acreditar que se trata de um produto verdadeiramente fonte de fibras. Em nossa manifestação, sinalizamos a necessidade de ajuste neste aspecto, a fim de que não estejamos criando uma norma que já traga consigo um convite a desvios.
Por fim, festejamos o fato de que, pela proposta, passaria a ser obrigatório o destaque do percentual de ingredientes integrais caso haja referência à sua presença, fato que tende a garantir ao consumidor maior condição para interpretar e compreender a informação disposta no rótulo. Aliás, vale pontuar que essa obrigatoriedade já foi objeto de condenação de duas grandes empresas de produtos de panificação, no âmbito da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, que resultou na condenação, pelo Tribunal de Justiça do Estado, das empresas-ré a a exibir na embalagem dos produtos comercializados os percentuais de grãos integrais de sua composição, como estratégia para garantir o acesso à informação essencial sobre os produtos vendidos como “integrais” (Processo No: 0337522-63.2012.8.19.0001, encaminhamento que foi convalidado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no bojo do Resp Nº 1.510.541 / RJ).
Findo o prazo para contribuições (encerrado em 15 de junho de 2020), a Gerência-Geral de Alimentos irá avaliar as contribuições para, então, apresentar a sua proposta final de regulamentação para apreciação da Diretoria Colegiada da Anvisa, o que pode ou não ser precedido da realização de uma Audiência Pública para ajustes e alinhamentos finais, a depender do que as contribuições trouxerem.
Ao lado de outras iniciativas relacionadas às revisões dos requisitos de rotulagem de alimentos em andamento, como a revisão da legislação de rotulagem geral, no âmbito do Mercosul, e de mudança nos requisitos da rotulagem nutricional, podemos perceber que existe o interesse da Anvisa de criar condições mais favoráveis para que os consumidores possam ler e compreender as informações nos rótulos dos alimentos. E é nosso papel, como sociedade civil, acompanhar estes processos e chamar os cidadãos, na qualidade de destinatários, possam contribuir com a melhoria dos rótulos.
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